Agora, Irani, vamos entrar em uma região que quase não era visitada antes por europeus: o rio Xingu.
Dança das redes de pesca do grupo indígena Nahukuá. Foto da segunda expedição de Steinen, em 1887
— Pelo ano de 1750, Rochus Hundertpfund, um missionário alemão, explorou parte do rio. Depois, em 1842, Adalbert von Preußen, um príncipe alemão, visitou a região e, em 1844, foi a vez de Francis de Castelnau, um naturalista francês.
Mas foi Karl von den Steinen quem se tornou o primeiro viajante europeu a ir até as nascentes e a bacia do rio Xingu.
Ele era médico e queria colecionar material para o Museu Real de Etnologia em Berlim.
Fez algo muito inovador. Conviveu com povos nativos, entrevistou pessoas, perguntou a respeito de usos de objetos. Defendia a pesquisa empírica, isto é, na prática, ali no campo, em contato direto com outras pessoas. Hoje isso se chama “trabalho de campo”.
— Gostei desse Steinen. Acho que eu ia fazer o mesmo.
— Esse método novo de fazer pesquisas modificou, inclusive, a visão de civilização sobre as populações indígenas, trazendo menos preconceito e muito mais dados sobre os povos originários do continente.
— Você pode falar mais das expedições do Karl von den Steinen, Arabella?
Rio Xingu: possui aproximadamente 2.000 km de extensão. Nasce no Mato Grosso e deságua no rio Amazonas, no Pará.
Karl von Steinen (no meio) e seus acompanhantes, em 1884
“Não tive necessidade de modificar as minhas primeiras impressões quanto ao caráter pacífico e simpático dos meus hospitaleiros amigos […] todos eram igualmente alegres e loquazes. Sempre muito honestos. […] Em resumo, os Bakairí são bons.”
– Karl von den Steinen, após passar uma semana entre o povo Bakairí.
Etnologia: ciência que investiga a vida social e a cultura dos povos, fazendo um estudo comparativo de grupos humanos – por exemplo, estuda-se como determinada civilização usa o próprio corpo, celebra nascimentos, faz funerais, o que esse povo diz de si mesmo.
Mapa da primeira expedição de Steinen, em 1884: começaram em Cuiabá e terminaram a viagem em Belém
— Natürlich! Naturalmente! É um prazer. Houve duas expedições:
Primeira expedição (1884): Karl foi acompanhado por Otto Clauss, físico, e Wilhelm von den Steinen, primo de Karl e desenhista. Resultou no mapeamento do rio Xingu e na coleta de peças etnográficas de povos locais para o Museu em Berlim. Alguns dos indígenas nunca haviam tido contato antes com europeus. Em 1886, Steinen publicou o livro O Brasil Central.
Segunda expedição (1887): agora conseguiu o apoio da Fundação Humboldt. Levou consigo Paul Ehrenreich, médico e fotógrafo; Peter Vogel, matemático e geógrafo, e novamente Wilhelm von den Steinen, o primo desenhista.
Com mais experiência e recursos, conheceram novas línguas indígenas. Também colecionaram mais de 1.200 peças etnográficas. Em 1892, Steinen publica um vocabulário do idioma Bakairí e, em 1894, sua famosa obra Entre os aborígenes do Brasil Central.
Em 1891, seu companheiro de viagem, Paul Ehrenreich, publica texto sobre a classificação, as migrações e a distribuição espacial das populações originárias.
Essas obras serviram, por muito tempo, de referência para pesquisas sobre o Alto Xingu.
— Puxa, não sabia a respeito
dessas obras. Quanta coisa!
Você pode falar mais sobre
as línguas indígenas?
Eu queria saber mais a respeito disso…
Agora mesmo!
Fotografia de Karl von den Steinen [Acervo da Biblioteca da Universidade Humboldt de Berlim].
Karl von den Steinen nasceu em 1855, em Mühlheim (a. d. Ruhr), fez doutorado em medicina (especialização em psiquiatria) e trabalhou antes de suas expedições no famoso hospital Charité, em Berlim. Depois, dedicou-se aos estudos etnológicos, trabalhou no Museu Real de Etnologia em Berlim e como professor na Universidade de Berlim. Morreu em 1929.
Chegando à região dos Bakairi, Steinen observou o chamado “Professor”:
“Em breve apareceu em cena uma segunda figura principal: Um índio de estatura média, de nariz fino e curvilíneo, muito pintado de vermelho, que vinha da caça. Veio se aproximando receoso, falando um pouco para si mesmo e um pouco para nós, também, mas ao mesmo tempo recuando. Só o chamávamos de Professor, por causa de sua incrível maneira de examinar detidamente todos os objetos, como alguém que conhecesse a coisa por fóra e por dentro, mas que não compreendesse bem por que isso ou aquilo não estava em seu lugar.”
STEINEN, Karl von den. O Brasil central. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1942. P. 189.
“Uma fogueira de lenha iluminava fracamente. Homens, dois a dois, aparecem com os ‘menís’, que são flautas de metro de comprimento. Um deles tem as conchas taramelantes num dos tornozelos. Os primeiros dois homens postaram-se diante de nossa casa, o outro por diante da casa em frente. Aqueles começaram a soprar, rítmicamente e a marcar tempo com o pé direito, os nossos dois molhavam os menís em água e exclamavam alto ‘uh-uh’, depois também sopravam e punham-se em movimento em direção à casa esquerda, acentuando o passo, regularmente, com o pé direito. Os que estavam em frente vieram soprando para cá enquanto aqueles, sem parar com o melancólico chôro, paravam de corpo dobrado para a frente e a bater com o pé. Finalmente, também êsse par voltava para o seu ponto de partida. Como ‘finale’ os queixumes aumentaram ainda mais pelo vento da noite terminando o quarteto na mais infeliz das lamentações. Muito amavelmente fomos logo depois servidos do mingau revigorante. Ao que assistimos era o ‘tŏtŏtdidlté’, palavra que soa muito mais engraçada do que a própria dansa que designa.”
[STEINEN, Karl von den. O Brasil central. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1942. P. 206-207.