Negros escravizados no porão de um navio, obra de Rugendas

Nossa, que imagens fortes! Parece que estamos dentro dessas cenas. São pinturas de artistas viajantes?

Ja, sim, são obras do Rugendas, um artista fundamental para retratar a vida nas Américas.
    Johann Moritz Rugendas nasceu em uma família de artistas em Augsburgo. Estudou pintura na Academia de Belas Artes de Munique. Além de ter muitas obras sobre o Brasil, ainda possui obras sobre a vida cotidiana em países como Argentina, Chile, Bolívia, México, Peru e Uruguai.
    No Brasil, chegou a ser convidado na Exposição Geral de Belas Artes. Imagine que na época não existia a fotografia. Então, desenhistas e pintores eram muito importantes para registrar paisagens, pessoas e fotos.

— Eu imagino. Ainda mais para os europeus que nunca vieram para cá. Deviam ficar impressionados com as belezas naturais, o dia a dia por aqui… 

— Exato. Na época, os artistas e desenhistas procuravam usar sua arte com bastante rigor científico, para tentarem ser fiéis ao que olhavam.
    O Rugendas veio com o barão de Langsdorff e ficou hospedado na Fazenda da Mandioca, propriedade do barão. Conheceu os artistas da Missão Artística Francesa, que estavam aqui a convite da corte portuguesa. O famoso artista Jean-Baptiste Debret estava por lá.

— Consigo ver que o Rugendas coloca muito sentimento em seus retratos. São cenas muito reais. Tem violência, tem alegria, tem muitos detalhes. Ele traz indígenas, pessoas negras escravizadas, é impressionante ver essas obras.
    Consigo ver aqui quase uma história da escravidão: pessoas confinadas em um porão de navio, sendo trazidas pelo tráfico de escravos. Depois, já aqui no continente, trabalhando duro em todo tipo de serviço pesado que existia, sofrendo castigos. Ele foi generoso em retratar também esses curtos períodos de festa.
    O Rugendas viajou muito, certo?

Indígenas visitam uma fazenda em Minas Gerais, obra de Rugendas

Festa de Santa Rosália, padroeira dos negros, obra de Rugendas

— Viajou bastante. Ele terminou por se desentender com o barão de Langsdorff. Depois saiu sozinho fazendo pinturas por aí… Até hoje é fonte para quem estuda história e quer conhecer mais o país. Em 1835, Rugendas publica seus trabalhos com o título Viagem pitoresca ao Brasil, com apoio de Alexander von Humboldt. 

— O Humboldt está mesmo em todas!
Gostei dos artistas.
E não há nunca nenhuma mulher nessas aventuras?

“Minha fantasia, estimado amigo, ficou realizada com as exuberantes formas do mundo tropical que com grande inteligência aparecem representadas nos seus admiráveis desenhos, tão fiéis à verdade.” 

[Carta de Humboldt a Rugendas, 1825]

Carta de Rugendas para o seu pai relatando a sua viagem à América:

“No Porto de Gessendorf, a trinta minutos de Bremerlehe, 10 de dezembro de 1821.

Querido Pai,

Violentas tormentas e um vento abominável ainda continuam impedindo a nossa partida e não há qualquer perspectiva que indique uma rápida mudança; muito pelo contrário, todos tememos ter de ficar aqui até o Ano Novo. Mesmo assim, podemos dizer que tivemos muita sorte por não termos entrado no mar, pois chegaram notícias que mais de cem navios soçobraram. Dois […] e ainda [seguem duas palavras riscadas] apareceu um grande cargueiro que estava sem tripulação, sem mastros e sem animais; dos papéis pode-se ver que era de Buenos Aires. Diante dos nossos próprios olhos vimos dois navios encalhar na areia. Como o capitão […] percebeu que o tempo [segue uma palavra riscada, sobre ela se escreve] não queria melhorar, finalmente faz dez dias voltamos a entrar no porto; aqui, nós, os passageiros dos camarotes, sofremos menos tédio. Tentamos passar o tempo da melhor forma possível; quando o tempo fica limpo nós (Menetries (sic) e eu e o pequeno Langsdorff) vamos para terra firme e ficamos disparando contra pássaros da costa; eu recebi uma magnífica carabina dupla [Doppelflinte] para meu uso pessoal e através das instruções de Menetries já me transformei num bom atirador. Quando chove dou aulas de desenho e termino, à aquarela, uma vista da cidade de Bremen que desenhei aí, do natural, ã lápis, ou estudo português e francês. Depois da refeição costumamos subir no mastro ou [segue uma palavra riscada] jogar xadrez. Depois do jantar o próprio Sr. Conselheiro de Estado realiza leituras sobre temas científicos, [abordam-se] assuntos de […]. É frequente conversarmos sobre a nossa futura viagem. Ele e eu nos alegramos infinitamente com isto; lamentaria se transcorresse mais um ano antes de poder iniciá-la, como se não soubesse que este tempo eu poderia aplicar de forma útil na elaboração de estudos de árvores brasileiras etc. Basicamente a expedição irá à Terra do Fogo e a Magalhães, estes territórios estão entre os menos conhecidos e menos explorados. Viajaremos pelo Brasil seguindo a ordem das Províncias e a região do curso do Amazonas é a que nos ocupará por maior parte do tempo. Os insetos e as plantas serão desenhados pelo próprio Senhor Conselheiro de Estado; os pássaros por Menetries; para mim ficarão apenas os objetos maiores. O primeiro desenha os insetos muito bem, de modo que Hörman poria seu fec[i]t em cada uma das páginas. […]”

DIENER, Pablo; COSTA, Maria de Fátima. A América de Rugendas: obras e documentos. São Paulo: Estação Liberdade, 1999. 

Jean-Baptiste Debret

Jean-Baptiste Debret (1768-1848) nasceu na cidade de Paris (França). Participou da missão artística francesa que veio ao Brasil. Publicou o livro Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, entre 1834 a 1839, em três volumes, onde reúne diversas gravuras e registros de cenas do Brasil no século XIX. O primeiro volume é dedicado aos indígenas e à natureza; o segundo registra os brancos e os negros em seu cotidiano, retratando inúmeros trabalhadores escravizados; o terceiro é voltado para a corte e as elites, tratando de cenas do cotidiano e das manifestações culturais, como as festas e as tradições populares.

Confira a versão digital do livro no site Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin: https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/3813

Ver mais em: [Missão Artística Francesa. In: Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2019. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo340/missao-artistica-francesa>. Acesso em: 27 maio 2019. Verbete da Enciclopédia.]

Viagem pitoresca através do Brasil

Viagem pitoresca através do Brasil, de Johann Moritz Rugendas
(1802-1858), 1835.
Leia o livro no link abaixo:

http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_iconografia/icon94994/icon94994.htm